Pensei em esmurrar a porta, gritar ou até questionar, mas
logo percebi que quem tinha me colocado ali tinha sido Dark. Da última vez que
ele me deu um livro pra ler ou mandou fazer algo, terminou por salvar minha
vida. Querendo ou não eu tinha passado tempo demais com os proxys e tinha me
esquecido que enquanto isso acontecia, mais hospícios foram invadidos e mais
elementos foram coletados dos Holders para invocar Ele. O melhor a fazer era
ler o livro e resolver minha vida.
O pior de tudo é que eu era claustrofóbico, então
naturalmente não me sentia nem um pouco confortável naquela sala, o que
dificultaria qualquer concentração. Ainda assim era necessário focar e fazer os
procedimentos.
Comecei a ler o livro, aparentemente o que Dark queria
que eu fizesse era criar uma cópia minha usando a força da minha mente. Ainda
não via onde aquilo resolveria meu problema, mas dei inicio. Criei um amigo (ou
inimigo) imaginário e o chamei de Mercenário. Conversei com ele sem muita
esperança durante o primeiro dia. Minha conversa consistia em dizer que mesmo
sendo criação minha eu já o odiava por tudo que ele carregaria de mim.
O segundo dia tinha chegado, havia dormido com o livro
sob minha cabeça. Sem um espelho pra me ver, apenas o tato me guiava. Passei a
mão em meu rosto e o senti da mesma forma. Sem boca, sem olho, sem avanço.
Nesse dia li mais alguns passos do livro e voltei a conversar com Mercenário. A
agonia em saber que o tempo estava passando e nada se resolvia não deixaram o
dia ser muito produtivo. Ainda assim persisti para não perder o dia.
Periodicamente bolsas de soro eram deixadas próximas a porta da sala, já que
não poderia me alimentar normalmente.
O terceiro dia iniciou-se com gritaria. Não sabia o que
havia acontecido, mas também não poderia deixar me influenciar. Esse dia passou
rápido, mas foi proveitoso. Conversei com Mercenário o dia todo. Fiz uma
experiência que deu certo. Coloquei o livro em minha frente e pedi para ele
mover o livro de lugar. Foram só 2cm mas valeram todo o esforço até agora. Eu
tinha chances. Parabenizei ele e fui dormir.
O quarto e o quinto dia foram cruciais. Coloquei o abajur
no centro da sala e em frente a ele o livro. Pedi imaginariamente que
Mercenário sentasse do outro lado da sala. Conversamos bastante. No inicio eu
criava as perguntas e respostas. Nesses dias as respostas vinham direto aos
meus ouvidos. No quarto dia pude ver apenas uma mancha sendo formada ao fundo
da sala, enquanto que no quinto já era possível ver uma forma humana, mas
indefinida.
No sexto dia foi mais calmo. O abajur era como uma linha
divisória entre nós dois. Nenhum dos dois cruzava a linha. Na verdade nenhum
dos dois desgrudava de sua parede. Eu sabia que alguém estava lá, sua forma era
perfeita, mas não conseguia distinguir quem era ou como era.
O sétimo dia começou de forma crítica. Abri o olho a
tempo apenas de ver um vulto se lançando sobre mim e outro atingindo-o
fortemente. Assustado levantei e vi Dark ao meu lado. Ele rapidamente falou:
“Vamos Master, última parte. Direcione um pensamento firme sobre se livrar de
tudo que ficou de ruim em seu corpo para ele e lance uma interferência. Rápido,
ele já está consciente!”.
O Doppelganger tinha minha forma como Proxy, as roupas,
casaco, máscara. Hora de dar a ele o ponto final. Respirei fundo e lancei com
toda a concentração que meu corpo permitia a interferência em Mercenário. Ele
rapidamente se debateu e caiu. Um forte queimor se espalhou forte sobre todo
meu corpo. Cai ao chão e gritei forte. Exatamente, gritei. Naquele momento
percebi que eu estava de volta. Tinha minha boca, meus dois olhos e não sentia
mais aquele peso sobre minha cabeça.
Pude levantar com a ajuda de Dark. Sem perder muito tempo
fui puxado para fora da sala. “Vamos a um lugar especial!” disse Dark com cara
de quem armava algo. Fui levado a uma construção abandonada para mais um
experimento. Dark começou a gravar e então do outro lado da câmera pediu para
que eu lançasse a interferência. Tentei por várias vezes e apenas uma fraca
carga saía. Dark me olhou nos olhos e me mostrou que nem dos óculos eu
precisava mais. Estava tudo bem. Era só direcionar e liberar. Respirei fundo e
olhei para a câmera. Liberei uma carga com força fraca, mas bem melhor que as
tentativas anteriores. Dark sorriu. A interferência tinha funcionado
perfeitamente.
Levantamos e apertamos as mãos.
“Devemos contar aos outros sobre isso?” perguntei.
“Não, não agora.” Respondeu Dark, em tom mais sério,
“Vamos nessa!”.
“Vamos salvar o mundo!” disse a ele quebrando a tensão.
Ele saiu andando na frente. Fiquei para trás quando senti
aquela sensação familiar, o efeito da distorção. Ouvi um barulho e tentei
levantar, mas a carga da interferência aumentou. Das sombras daquela sala saiu
quem eu menos esperava.
Mercenário surgiu e calmamente andou em minha direção.Ele
começou a tirar o capuz e em seguida a máscara. O que vi, mesmo com a visão
turva era muito mais perturbador que o fim do mundo.
Mercenário tinha exatamente meu rosto.
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